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Intervenção Urbana e as atividades de comércio e serviços: o caso do Minhocão em São Paulo14.09.19

INTERVENÇÃO URBANA E AS ATIVIDADES DE COMÉRCIO E SERVIÇOS: O CASO DO MINHOCÃO EM SÃO PAULO

Heliana Comin Vargas

Palestra proferida no Seminário e Oficina internacional. “Projetar Arquitetura, Construir Cidades. Convivências Urbanas : patrimônio , comercio e habitação”  09 de setembro de 2019.

Na FAU Mackenzie, São Paulo.

 

  1. O SENTIDO DAS INTERVENÇÕES

As intervenções na cidade promovem mudanças. Isto está no centro das discussões sobre produção do espaço urbano.

Se forem ações cujos impactos promovam melhorias locais, resultarão em valorização do solo urbano. Essa valorização, por sua vez, provoca um aumento do preço do solo, dos imóveis e dos aluguéis.

Consequentemente, a mais valia urbana gerada é absorvida pelos proprietários que, ou vendem os imóveis ou aumentam os aluguéis. Para os inquilinos esse aumento significa expulsão e substituição por outros de renda maior, capazes de custear os novos valores. Fenômeno este conhecido como Gentrificação.

E isto vale não apenas para moradores. Vale também para os estabelecimentos comerciais.

Logicamente, o Minhocão, que tinha como objetivo expresso no discurso  a maior fluidez do trânsito, provocou, à época: uma desvalorização dos imóveis no seu entorno imediato;  a apropriação por extratos sociais de rendas mais baixas no tocante aos aluguéis;  a degradação e abandono de muitos edifícios;  e, mudanças nas atividades de comércio e serviços  ali existentes. Portanto, alterou a dinâmica urbana da área.

Assim, é certo,  que toda a intervenção provoca impactos. Muitas vezes positivos, outras vezes negativos,  dependendo do ponto de vista de quem se vê afetado.

Essa constatação nos leva  para um segundo aspecto da discussão.

2) QUAIS OS OBJETIVOS REAIS DAS INTERVENÇÕES?

Para  se promover uma intervenção urbana deve-se ter clareza na definição dos objetivos. Ou seja, o que se quer alcançar com a intervenção. Pois, para cada objetivo existe uma estratégia Se não sabemos para onde ir qualquer caminho serve.

Vejamos, então, o caso do Minhocão. Quais podem ser os objetivos envolvidos na sua transformação em Parque ou na sua demolição?

  1. Melhorar as condições dos indivíduos que residem nas laterais do Minhocão?

Como já mencionado, a intervenção fará com que os preços dos imóveis e respectivos aluguéis aumentem significativamente. Ganharão os proprietários? Quem são eles? Será que os edifícios que serão valorizados ainda pertencem aos seus antigos proprietários, ou já estão na mão de grupos do setor imobiliário? Vale aqui  uma bela pesquisa.

Lembrando que os efeitos não se limitam às edificações lindeiras, todo o bairro vai ser valorizado.

Pergunta: A expulsão dessa população não vai na contra mão das políticas públicas que buscam fornecer habitação para população de baixa renda nas áreas centrais? Se este for o objetivo, será que as estratégias não deveriam ser outras?

  1. Criar espaço para a atuação do capital imobiliário numa região de excelente infraestrutura, incentivando a construção civil e gerando emprego? Quem vai lucrar com isso?
  2. Embelezar a cidade, criando mais um espaço de lazer permanente, de modo que uma certa parcela de moradores possa usufruir? Quem serão eles? Os moradores locais? Turistas? Moradores da cidade?

Quem de fato se utiliza do lazer no Minhocão quando fechado? De onde eles vêm? È significativo?  Vale também uma pesquisa.

  1. Criar uma imagem positiva para a cidade, tipo city marketing, que ajude a marcar a gestão atual e auxilie na sua reeleição?
  2. Gerar trabalho para os escritórios de arquitetura?
  3. Dificultar a vida dos usuários de automóveis, para força-los a abandonar o carro, sem a contra partida de transporte coletivo minimamente satisfatório? Com certeza, atualmente esses são os maiores usuários do minhocão. Alguém os entrevistou? Vale outra pesquisa. As intervenções na cidade devem ser pautadas pelo desejo da maioria dos cidadãos diretamente envolvidos. Quais são as alternativas para as mudanças do tráfego que hoje se utiliza do minhocão? Quais regiões sofrerão o impacto dessa mudança? Ações sempre causam impactos que, na maioria das vezes, extrapolam a área de influência do entorno

 

Podem ainda existir outros objetivos. Para cada um desses objetivos, as estratégias para atingi-los variam!

3) QUAIS OS POSSÍVEIS DESDOBRAMENTOS RELATIVAMENTE AO COMÉRCIO E SERVIÇOS?

Como as atividades de comércio e serviços varejistas se estabelecem na cidade a partir dos fluxos de consumidores, a variação da densidade demográfica e do emprego e a renda dos consumidores são o que definem o tipo de comércio e serviços oferecido.

Considerando, logicamente, que esses consumidores podem ser moradores ou trabalhadores.

Se moradores, geram comércio e serviços de uso doméstico e de caráter   mais cotidiano, como aqueles  voltados à alimentação. Se trabalhadores, incentivam, atualmente, a proliferação de restaurantes, bares, e lanchonetes, como acontece na Avenida Paulista e  imediações.

Por outro lado, a existência de polos geradores de fluxo específicos, como por exemplo, hospitais e universidades, definem a especificidade do comércio e serviços no seu entorno. Ou seja, é sempre a intensidade e a qualificação do fluxo que responde pelo surgimento e dinamismo das atividades comerciais e de serviços.

É só olhar a Rua Maria Antônia em decorrência da Unoversidade Mackenzie, com a proliferação de bares e restaurantes, papelarias e, possivelmente, até meios de hospedagem. Ou mesmo, a Vila Madalena em relação à Cidade Universitária quando da sua criação. Os hospitais, por sua vez, também promovem o surgimento de comércio e serviços afins. O entorno do Hospital São Paulo na Vila Clementino é um nítido exemplo. Até mesmo,  a  Rua São Caetano, historicamente a rua dos alfaiates, teve como catalizador da sua especialização, o Quartel.

Esses polos geradores de fluxo acabam funcionando como uma atividade motriz na formação de  clusters terciários,  gerando uma especialização. Portanto, são os usuários do local (fluxos) que definem as atividades de  comércio e serviços.

Assim se o fluxo se alterar (densidade e renda), vão mudar as atividades de comércio ou serviços.

No caso das laterais do Minhocão, o baixo poder de compra existente na área, seja de moradores ou trabalhadores, marca a presença de um comércio bastante desqualificado que ainda permanece, tendo em vista, provavelmente, o baixo custo dos aluguéis, ou o tipo de propriedade (idade do dono, herdeiros etc).

Assim, proliferam-se, hoje,  os estabelecimentos de venda de produtos de baixo valor, numa forma rudimentar de atuação varejista  como: bares, produtos diversificados de baixo valor, venda/depósito de móveis usados, sebo, material de construção, borracharia, muitos se utilizando das calçadas como mostruário. Ambulantes também expõem seus produtos nas calçadas. Sem contar os inúmeros estabelecimentos fechados.

Mudanças na valorização dos imóveis a partir do Parque do Minhocão ou sua demolição, implicarão num processo de gentrificação comercial, como o ocorrido no Largo da Batata ou aquele que ocorrerá na Vila Leopoldina com a saída do CEAGESP.  Processo esse inevitável, como já mencionado.

Poderíamos definir Gentrificação Comercial, como a substituição de estabelecimentos comerciais e de serviços por outros cujos produtos e serviços comercializados têm um valor específico mais elevado em relação à unidade de área bruta locável, capaz de viabilizar o negócio. Lembrando que para o comércio e serviços, a área bruta locável, ou área de carpete, ou a dimensão possível da vitrina, também são determinantes na composição do valor do imóvel, para além da localização estratégica.

A partir do Parque do Minhocão, provavelmente, esses espaços lindeiros serão ocupados por atividades relacionadas aos novos usos da área, mais focados nas atividades prazerosas, voltadas ao usufruto do lazer, os para uso dos funcionários dos escritórios! Esses verticalizados.

Embora seja muito agradável ter vista para um parque, o que também valoriza os imóveis, compondo inclusive  propaganda do setor imobiliário,  estar ao lado pode não ser tão agradável assim. O  barulho de vozerio é altamente incômodo, e a possibilidade de  ocorrência de eventos de lazer perturbadores, também é altamente possível.

Para finalizar, coloco aqui mais uma dificuldade sobre as  mudanças que devem ser observadas e que tem sido pouco estudada por ser contemporânea, mas que merece a atenção dos futuros arquitetos e urbanistas.

Será que no quesito comércio e serviços não estamos vivenciando uma alteração nos processos de localização e viabilidade dos estabelecimentos com o advento da era digital, com impacto significativo na produção do espaço urbano?

Nós estamos deixando de ir às compras obrigatórias! Elas chegam até nós! O quê, com certeza, provoca mudanças nas preferências locacionais dos estabelecimentos comerciais, além de mudanças nas estratégias de seus negócios. Vale o mesmo raciocínio para os serviços.

Onde o comerciante ou prestador de serviços  está fisicamente ainda é tão relevante? Ou será que acessar um distribuidor  virtualmente é mais eficiente?

Alguns exemplos para pensar!

Os sebos podem se manter em qualquer lugar e as livrarias desaparecer tendo em vista a facilidade oferecida pela estante virtual. O mesmo vale para os produtos usados seja pela OLX ou Mídias Sociais. A ida aos  restaurantes do cotidiano pode ser substituída pelo Ifood, ou Rappi . E  mesmo as ruas especializadas que precisavam se aglomerar para garantir público para seus produtos de uso esporádico e especializado, enfrentam a concorrência do Mercado Livre, Amazon, AliBabá.

A localização privilegiada, mais valorizada na atração dos consumidores pode não ter mais sentido para as compras obrigatórias, pois os estabelecimentos não tem que estar junto ao fluxo de consumidores, é a mercadoria que vai ao seu encontro. Qual será o o novo conceito de centralidade?

Na verdade restam como dependentes do fluxo, as compras por impulso ou por conveniência.

Mesmo as compras hedônicas, buscadas e realizadas por prazer, independem de onde estão e sim do quão prazeroso o ato de comprar de bens e serviços vai se apresentar. Bares, restaurantes, shows, divertimento em geral, colocam ênfase na atividade e também na qualidade do espaço, para manter a sua atratividade, sendo que a localização nunca foi um quesito fundamental. Somos capazes de ir até a Vila Guilherme para apreciar a comida oferecida pelo Mocotó! O espaço agradável, por sua vez, pode fazer com que permaneçamos, mais tempo e consumamos mais!

Isto tudo para dizer que a localização comercial não se define por decreto! Saber o que vai acontecer com o comércio e serviços é uma grande incerteza. Vai depender do publico que habitará, trabalhará ou frequentará o local e, se as mudanças pensadas ou o objetivo real e suas estratégias terão  êxito. O que também é uma incerteza. Ainda mais acentuada pelas mudanças que as tecnologias disruptivas vêm causando.

E, como uma última consideração, buscar se pautar em exemplos estrangeiros, sem mergulhar no entendimento dos processos, dos objetivos e das estratégias utilizadas, e se ater a um resultado superficialmente constatado, é um equivoco, pois o contexto é outro. Não apenas o contexto econômico e sócio cultural. A estrutura e o tecido urbano do entorno, também devem ser considerados. Não estamos em Nova York! Estamos no Brasil! Nossas prioridades, de fato, são outras e muito mais urgentes.