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Post it City: Processos Contemporâneos de Apropriação do Espaço Urbano07.12.15

POST IT CITY:

PROCESSOS CONTEMPORÂNEOS DE APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO URBANO

Heliana Comin Vargas

Palestra apresentada na VII Bienal de Arquitetura de São Paulo, na qualidade de debatedora. no Fórum de debates. Painel: PúblicoXPrivado- A cidade Informal. 14 de Nov. 2007.

 

A discussão sobre as práticas de atuação sobre o ambiente construído, área do conhecimento e da atuação profissional de arquitetos e urbanistas, tem exigido, na contemporaneidade, reflexões que extrapolam os suportes teórico-metodológicos tradicionais.

Não pela natureza do fenômeno, mas pela sua intensidade e diversidade de possibilidades.

 Processos historicamente já observados que, ao serem intensificados, começam a receber novos nomes para explicação de um velho fenômeno, como o próprio conceito de dispersão urbana chamado, recentemente, de urbanização dispersa.

 É, neste sentido, que a discussão sobre o conceito de post it city, pode nos auxiliar a refletir sobre o papel da arquitetura e urbanismo nos processos urbanos atuais.

E que processos são estes?

Crescimento da população urbana, cada vez mais concentrada; a explicitação das subjetividades; os conflitos, o espaço da alteridade e da tolerância;

  1. Disparidades de renda e, portanto, disparidades de acesso a condições mínimas de cidadania;
  2. A quebra dos marcos institucionais e das regras e leis que os sustentavam; (o alcance reduzido das vantagens que esta normatização de posturas visava proporcionar à sociedade que a estabelecera)
  3. Apelo excessivo ao consumo que passa a incluir, além de bens materiais supérfluos, diversos tipos de experiências de caráter sensorial; (lazer, turismo e cultura); o ócio como mercadoria para a acumulação;
  4. A transformação da cultura em consumo; (apelo mercadológico)
  5. A busca do diferente, do único; (costumização)
  6. A busca pelo novo, a efemeridade; (produção flexível)
  7. A crescente visibilidade (amplifica, e dá conhecimento aos fenômenos, fatos e notícias), intensificada pelos avanços da comunicação;
  8. Um mundo 24 horas e visível; O lugar como produto.

10.Um mundo virtual

Considerando que a cidade é a manifestação física das sociedades que a constroem, o conceito Post It City implica uma releitura da apropriação das cidades existentes, cujo caráter inercial das construções não corresponde às mudanças da sociedade, e indica como tem acontecido o reaproveitamento deste ambiente construído, preexistente. É o conceito de reciclagem de uso para além da reciclagem do edifício.

Para Martí Peran[1], ao lado da cidade ordenadamente edificada, existem fissuras, becos e grotões que a conformam e que funcionam, muitas vezes, como elementos de desarticulação da ordem física e dos usos estabelecidos. Para ele, independentemente dos nomes que possam ser atribuídos -Cidade Invisível de Giancarlo De Carlo; Cidade Instantânea de Lars Lerup; ou, Post it City de Giovanni La Varra – o conceito que as envolve reflete um conjunto de necessidades mutantes e subjetivas, que a cidade formal não dá conta, acabando por desenhar um outro mapa de cidade.

Assim, o conceito de post it city, por analogia, está ligado à interferência que se faz sobre um texto, quando se introduz este dispositivo (papel com cola), que altera uma ordem de prioridade pré-estabelecida, apresentando outros destaques a serem observados, ainda que de caráter efêmero, sem intenção de permanecer ou impor-se como dominante.

Para La Varra,( 2007) o conceito de post it city evidencia um uso não codificado do espaço, de caráter temporal e impregnado de uma crítica implícita da arquitetura enquanto atendimento de demandas específicas.

As experiências reais que aparecem como insignificantes e extremamente fugidias, dificilmente podem ser incorporadas pelo discurso oficial, considerando a multiplicidade de formas de vida que circulam sem obediência às regras estabelecidas. Para Martí, a documentação dos acontecimentos destas post it cities seria um relatório de atividades de entretenimento.

Para La Varra[2], por sua vez, este funcionamento da cidade contemporânea relaciona-se diretamente à vida pública, que não só recusa os modos tradicionais de encontro, como também resiste ao excesso de virtualidade dos encontros promovidos pelo avanço da internet.

No entanto, é bom lembrar que muitos destes encontros só se viabilizam pela comunicação que a internet coloca a disposição destes grupos.

Dentro do conceito de La Varra, post it city é uma rede de espaços não apropriados, ignorados, ou abandonados pelas práticas e usos atuais da cidade formal. O projeto dos espaços públicos institucionalizados, ou seja, da cidade formal, tem se utilizado de requintes de forma arquitetônica, mobiliários urbanos, materiais valiosos, espaços verdes sofisticados que vêm sendo padronizados e reproduzidos mundo a fora. A identificação do fenômeno a que chamou de post it city, ao se contrapor a esta tendência de padronização, recria o conceito de espaços de encontro da contemporaneidade que ora se apropriam do tecido urbano de séculos passados, ora de galpões industriais abandonados da era fordista, ora de lotes vazios ou espaços públicos residuais, atribuindo-lhes um caráter flexível quanto à duração, o momento (modismo), o uso (alternativo) e o público alvo (segmentado).

Este caráter de improvisação e efemeridade exige, sem dúvida, elementos de composição flexíveis, seja na preparação do lugar, seja na oferta de serviços de alimentação em equipamentos móveis, como (barracas sobre rodas).

Para La Varra estes espaços ficam marginais e residuais na rede tradicional e, também, na discussão dentro da arquitetura e urbanismo.

Discutir por quê institucionalizá-los? Quem solicitou esta interferência? Não perderá ele o seu caráter espontâneo?

La Varra, ainda define neste fenômeno, a intensificação de espaços e lugares anônimos e inesperados, como terra de ninguém, que estão surpreendentemente disponíveis para práticas coletivas. São Lugares intimistas e sensíveis que não podem ser nem modelados nem obstruídos, para dividir práticas de encontro coletivas sem qualquer intenção de criar raízes ou promover antagonismos além do uso do espaço, onde a natureza apolítica de tais práticas não pode ser medida por qualquer demanda ou perspectiva de transformações radicais.

A arquitetura tem tentado absorver este fenômeno para traduzi-lo num projeto.

Se traduzido num projeto não perde todo este seu caráter de terra de ninguém? Não interfere na resignificação espontânea?

O conceito de post it city apresenta-se como uma crítica implícita sobre as estratégias e instrumentos que comandam as práticas da arquitetura e do projeto urbano, voltadas para o atendimento a demandas específicas de espaço de habitação, recreação, ou outros serviços, na medida em que apropria-se de um espaço que não pertence a ninguém, o que não se configura no atendimento a uma demanda especifica. E, portant,o pergunta-se:

Qual é a proposta?

A interferência através do projeto não implica na perda do caráter de informalidade que lhe deu origem? Não perderá a sua espontaneidade? Como aquela perdida pelos grafiteiros que passam a estabelecer-se em galerias de arte e submeterem-se ao mercado?

O post it city não se constitui em um fenômeno de gestão do espaço, mais do que na elaboração de um projeto de arquitetura? As viradas culturais e esportivas em são Paulo não se constituem em um bom exemplo de pouca interfer~encia no espaço físico e muita gestão?

Por quê interferir? Em que medida? Qual é o papel do poder público neste processo? E dos arquitetos urbanistas?

[1] PERAN, Martí. Ciudades ocasionales. Santa Mõnica. Cultura & Artes Visuais. Boletim no 12 Abril 05. disponível em www cultura.gentcat.net/casm acesso em 28/10/2007.

[2] LA VARRA, Giovanni. Post it city: the other european public spaces. Disponível em subsol.c3.hu/subsol_2/contributors0/lavarratext . acesso em   28/10/2007.