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Troca, comércio e consumo: congestionamento e vitalidade, uma via de mão única28.11.15
Considerando que a atividade de troca está na origem das relações humanas, o ato da troca não pode prescindir do encontro. Encontro físico ou virtual que possibilite aos interessados ter o contato com o objeto da troca e, se possível, comparar com outras ofertas para o mesmo objeto. Este é o sentido do lugar do mercado: colocar juntos os que querem vender com os que querem comprar. Portanto, o trânsito de potenciais consumidores para a realização do comércio e a concentração do comércio para a atração de potenciais consumidores caminham na mesma direção: o congestionamento. A sensação de congestionado passa, imediatamente, a sensação de vitalidade por concentrar atividades e oportunidades que aguçam a curiosidade. Assim, instala-se um movimento auto reforçador.
È importante destacar, ainda, que o caráter sócio-cultural implícito na atividade de troca faz com que a atividade comercial aproveite a existência da reunião de pessoas em locais onde outras atividades sociais acontecem pelos mais diversos motivos: religião, política, diversão, cultura[1].
Esta relação entre trânsito de pessoas, veículos e mercadorias que quanto mais congestionado mais dinâmico, nos remete também à noção do lugar do mercado.
Já na antiguidade, conforme aponta Lewis Mumford[2] na Mesopotâmia, o ideograma sumeriano que representava mercado era um Y , o que indicava a noção de encontro de duas linhas, ou rotas.
O lugar do mercado, portanto, em sua origem, estabelece-se nos locais preferenciais de passagem que a natureza estrategicamente providenciou, como os Oásis nos Desertos, as fontes de água potável, as travessias mais fáceis, as distâncias eqüidistantes entre centros dinâmicos, ou o entroncamento de rios[3]. Espontaneamente ofertados pela natureza ou artificialmente construídos pelo homem por meio de investimento de trabalho e capital, estes locais de mercado têm, em comum, o intenso fluxo de pessoas que atraem e que a partir de um determinado momento passam a gerar.
A teoria da localização comercial, que surge posteriormente a partir de Walter Christaller, por volta de 1933, com seu modelo hexagonal do lugar central, sinalizava e reforçava a idéia desta relação direta entre a variedade e quantidade dos produtos ofertados por um centro com o tamanho da população a ser abastecida (densidade e renda).
Portanto, a presença de trânsito de possíveis consumidores, em quaisquer meios de transporte, apresenta-se como o elemento fundamental para o desenvolvimento das atividades de comércio e serviços, com fortes repercussões sobre o funcionamento da cidade.
No entanto, a relação entre as diversas categorias de comércio e serviços com o seu público alvo e o espaço físico que lhes dá suporte, apresenta uma enorme variedade, que precisa ser compreendida para subsidiar intervenções mais competentes.
Estas diferenças de relacionamento implicam em diferentes demandas operacionais, (carga e descarga, tratamento de resíduos sólidos e de ruídos), de espaço físico (estoque, estacionamento, vitrinas) e de localização.
Como ilustração desta complexidade de movimentação de pessoas, veículos e mercadorias, a simples diferença na intenção da compra – por necessidade, impulso, ou conveniência – implica em situações que exigem respostas também diferentes.
A compra necessária, programada, voltada ao abastecimento, sem muita indecisão na escolha do produto, pressupõe um deslocamento intencional que, dependendo do tipo de produto, pode ou não estar associada ao automóvel. Considerando a intenção de gastar pouco tempo na sua realização, a facilidade de estacionamento e o rápido acesso são fundamentais. As farmácias, por exemplo, incluem-se nesta categoria, sendo que algumas já adotaram o sistema de driving thru ou voltaram-se para o exterior nos tradicionais Shopping Centers.
A compra por impulso, por sua vez, pressupõe um deslocamento a pé, mais próximo às vitrinas, de modo a se inserir no deslocamento e criar a sedução para o consumo. A pipoca na frente da escola é um bom exemplo. Este tipo de compra não pode prescindir do contato do consumidor com a mercadoria, principalmente em itens de moda que necessitam ser experienciados, como o vestuário, onde pedestre e vitrina tem uma simbiose total.
A compra por conveniência adiciona a urgência na compra necessária e busca a conveniência de efetivá-la, seja nas imediações da residência , trabalho, escola, ou no percurso entre estas atividades. A aglomeração de açougues junto a terminais de ônibus, ou lojas associadas a postos de gasolina são exemplos desta categoria. Podem ou não significar preços maiores para os produtos, em decorrência do custo da oportunidade, dependendo no nível da concorrência existente.
De acordo com o tipo de mercadoria, (perecível, de grande porte, de fácil conservação), as exigências de espaço para armazenagem, de retirada de resíduos, espaços de exposição e estacionamento passam a ser também itens importantes a serem observados o que, sem dúvida, refletir-se-á no trânsito gerado.
A freqüência de uso (cotidiano, eventual, esporádico), que já foi elemento central das teorias de localização comercial e da distribuição hierárquica de centros – de vizinhança, de bairro, regional e principal,- tem, atualmente, suas exigências alteradas. Enquanto o avanço da tecnologia de conservação dos alimentos e das técnicas de congelamento acenava para uma diminuição da necessidade de deslocamentos para o abastecimento e consumo de bens de uso diário, ao possibilitar, por exemplo, o armazenamento doméstico e a diminuição da compra cotidiana ( pão francês, pão de forma, leite de caixinha), paradoxalmente, o avanço tecnológico das comunicações, via e-commerce, abria a possibilidade da compra à distância aumentando o fluxo de mercadorias e a necessidade da entrega domiciliar.
Além destes aspectos, a vida atribulada das cidades, a falta de tempo e um mundo 24 horas modificam, por sua vez, a dinâmica dos fluxos incentivando as compras de conveniência a qualquer hora e em qualquer lugar. E, o apelo ao consumo, cada vez mais exacerbado, inclui, continuamente, novos itens na pauta de nossas necessidades. Ao incorporar atividades das mais diversas, como aquelas relacionadas à recreação, lazer, cultura e turismo reforçam, mais uma vez, o caráter social envolvido com a atividade de troca.
O lugar do mercado, seja ele pontual ou linear, de nascimento espontâneo ou artificialmente criado, de pequenos povoados ou grandes cidades são reflexos da confluência de fluxos de pessoas, bens e veículos envolvidos pela oportunidade do encontro que tem como elemento vital o congestionamento. Congestionamento este que cabe aos gestores urbanos equacionar para que as economias de aglomeração, tão oportunas para a viabilização de negócios, atividades e serviços especializados, não sejam superadas pelas deseconomias que, naturalmente, irão pouco a pouco se instalar.
[1] VARGAS, Heliana Comin. Espaço Terciário. O lugar, a arquitetura e a imagem do comércio. São Paulo: SENAC. 2001.
[2] MUMFORD, Lewis. A cidade na História. Trad. Neil R. da Silva.Belo Horizonte: Itatiaia,1965.
[3] VARGAS, Heliana Comin. Comércio: localização estratégica ou estratégia na localização?Tese de doutorado. São Paulo: FAUUSP. 1992.